A morte, tema inevitável da existência humana, costuma ganhar contornos de solenidade na arte. Poucas obras traduzem essa dimensão de forma tão impactante quanto o Requiem de Mozart, que retorna ao palco do Teatro Ademir Rosa, em Florianópolis, pelas mãos da Camerata.
No dia 18 de abril, às 20h30, a orquestra se reúne ao coro sinfônico e solistas convidados para um concerto carregado de espiritualidade. Os ingressos estão esgotados, sinal evidente da expectativa e reverência do público diante de uma das mais enigmáticas criações da música erudita.
Requiem de Mozart: som, silêncio e eternidade
Criada em 1791, a obra carrega uma aura de mistério desde sua encomenda. Um mensageiro anônimo teria solicitado a peça para uma cerimônia fúnebre, recusando-se a revelar sua identidade. À época, Mozart já enfrentava problemas de saúde e dizia sentir que estava compondo para sua própria morte.

A peça, em Ré menor, estrutura-se em vários movimentos que evocam as etapas da Missa de Réquiem tradicional. O “Lacrimosa”, um dos trechos mais conhecidos, mistura lamento e transcendência com intensidade crescente, sugerindo uma elevação espiritual. A incompletude da obra no momento da morte de Mozart apenas aumentou sua mítica.
A força simbólica da Sexta-Feira Santa
Na tradição cristã, a Sexta-Feira Santa marca o sacrifício de Jesus Cristo. A escolha da data para o concerto extrapola a estética musical e estabelece um diálogo direto com a fé, o luto e a memória dos que partiram. O “Requiem aeternam”, que abre a composição, transforma-se, nessa ocasião, em oração coletiva.
A Camerata Florianópolis transforma esse simbolismo em espetáculo. Com a regência de Jeferson Della Rocca e produção de Maria Elita Pereira, o concerto ganha ainda mais potência na voz de solistas como Masami Ganev, Débora Almeida, Guilherme Albanaes e Javier Venegas. O coro sinfônico, composto por 29 cantores, reforça o caráter litúrgico da apresentação.
Vozes que perpetuam a obra
Franz Xaver Süßmayr, discípulo de Mozart, concluiu a partitura a partir de esboços deixados pelo mestre. Estudos musicológicos recentes, como os de Christoph Wolff e Richard Maunder, indicam que outros músicos podem ter contribuído com passagens específicas, mas o estilo de Mozart permanece inconfundível nas linhas melódicas e no uso dramático das cordas e metais.
A partitura original mistura elementos do Barroco com nuances do Classicismo vienense, exigindo dos intérpretes domínio técnico e sensibilidade artística. Não se trata apenas de executar notas, mas de expressar um sentimento de perda e redenção. Na Camerata, essa missão é cumprida por músicos experientes, que já haviam interpretado a obra em 2017, também no CIC.
Uma obra com 230 anos de emoção intacta
Mesmo após mais de dois séculos, o Requiem de Mozart continua impactando plateias no mundo todo. A relação entre arte e eternidade, muito presente no pensamento de filósofos como Theodor Adorno, ganha ressonância nessa obra, cuja origem permanece envolta em segredo, mas cuja beleza jamais se apagou.
Durante os 60 minutos de concerto, a plateia se coloca entre a dor da perda e a esperança do reencontro. A música de Mozart, mesmo nascida do sofrimento, oferece consolo. É como se cada nota fosse escrita não apenas para os mortos, mas para os vivos que permanecem em busca de sentido.
Patrocínio e incentivo à cultura
Realizado com patrocínio do FORT Atacadista e da ENGIE, o concerto ocorre por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Essa união entre setor privado e iniciativa pública sustenta a continuidade de eventos que promovem o acesso à música clássica de alto nível em Santa Catarina.
A iniciativa reforça o papel da Camerata Florianópolis como uma das principais instituições musicais do Estado, conciliando qualidade artística e compromisso social. Sob a liderança de Della Rocca, a orquestra se especializou em criar experiências que integram música e emoção, sem perder o rigor técnico que o repertório exige.