A crescente população em situação de rua com transtornos mentais e dependência química tem desafiado autoridades e profissionais de saúde a buscar soluções mais eficazes. Um novo projeto de lei em Santa Catarina propõe um modelo de internação humanizada, que visa não apenas o tratamento médico, mas a reintegração social completa desses indivíduos em estado de vulnerabilidade.
O texto do deputado Jair Miotto estabelece diretrizes para um acolhimento multidisciplinar que respeita a dignidade dos pacientes enquanto promove sua recuperação. A proposta surge como resposta à crescente demanda por políticas públicas que atendam de forma integral às necessidades das pessoas em situação de rua afetadas por problemas de saúde mental.
Crise de saúde mental nas ruas brasileiras
A realidade das ruas brasileiras reflete uma complexa intersecção entre problemas sociais e de saúde pública. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrou que cerca de 40% das pessoas em situação de rua apresentam algum tipo de transtorno mental, sendo que metade desse grupo sofre com dependência química.

A ausência de tratamento adequado agrava o quadro clínico dessas pessoas, criando um ciclo vicioso de exclusão social. Quando abandonados à própria sorte, esses indivíduos frequentemente desenvolvem comorbidades físicas e psiquiátricas que tornam sua recuperação ainda mais difícil.
Como funciona o modelo de internação humanizada
O modelo proposto na nova legislação garante atendimento por uma equipe multidisciplinar que inclui médicos, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas. O diferencial desta abordagem está na visão integral do paciente, considerando suas necessidades físicas, emocionais e sociais.
Durante o processo de internação, cada paciente recebe um plano de tratamento individualizado que leva em conta sua história pessoal e condições específicas. Esta personalização do atendimento aumenta significativamente as chances de recuperação efetiva.
Os critérios para internação estabelecidos na lei
A nova proposta estabelece protocolos claros para internação, que pode ocorrer com ou sem o consentimento da pessoa, desde que respeitados os critérios legais. Quando involuntária, a internação deve ser comunicada ao Ministério Público em até 72 horas, garantindo fiscalização externa do processo.
Familiares, responsáveis legais ou profissionais de saúde e assistência social podem solicitar a internação. Essa flexibilidade permite intervenções mais rápidas em casos urgentes, potencialmente salvando vidas e evitando o agravamento de quadros clínicos já comprometidos.
O papel da família durante o tratamento
O envolvimento familiar é considerado fundamental no processo de recuperação. O projeto prevê mecanismos para manter os vínculos familiares durante o período de internação, incentivando visitas regulares e participação em terapias conjuntas.
A pesquisadora Maria Helena Souza, da Universidade Federal de Santa Catarina, defende que “a reconexão com laços familiares é um dos preditores mais importantes para a recuperação sustentável de pacientes com transtornos mentais”. Seus estudos mostram que o suporte familiar aumenta em 68% as chances de manutenção da sobriedade após o tratamento.
Reintegração social como objetivo final
O tratamento tem duração máxima de 90 dias para casos relacionados ao uso de drogas, período no qual são desenvolvidas habilidades sociais e profissionais necessárias para a reintegração. A alta pode ocorrer a qualquer momento por decisão médica ou a pedido da família.
Após a internação, o projeto prevê acompanhamento contínuo com políticas de inclusão no mercado de trabalho e programas educacionais. Esta etapa pós-tratamento é essencial para evitar recaídas e garantir que os avanços conquistados durante a internação sejam mantidos a longo prazo.
A cooperação intersetorial como pilar da política
O sucesso do programa depende da articulação entre diferentes secretarias estaduais. Saúde, Assistência Social e Educação precisam trabalhar em conjunto para criar uma rede de apoio que sustente o processo de recuperação e reintegração.
Esta abordagem intersetorial representa uma evolução nas políticas públicas de saúde mental, tradicionalmente fragmentadas entre diferentes órgãos governamentais. A integração dos serviços permite um atendimento mais eficiente e reduz as chances de que pacientes se percam entre os diferentes níveis de assistência.
Desafios e perspectivas futuras para implementação
A implementação do projeto enfrenta desafios significativos, desde a capacitação adequada dos profissionais até a alocação de recursos orçamentários suficientes. O financiamento virá do orçamento estadual, com possibilidade de remanejamento de verbas conforme necessidade.
O psiquiatra Roberto Campos, diretor do Instituto de Pesquisas em Saúde Mental, aponta que “modelos semelhantes implementados em outros países mostram uma redução de até 62% nas taxas de reinternação quando comparados com abordagens tradicionais”. Este dado sugere que, apesar dos investimentos iniciais necessários, o programa pode representar economia a longo prazo para o sistema de saúde pública.
- O projeto de internação humanizada proposto pelo Deputado Jair Miotto visa criar um novo modelo de tratamento para pessoas em situação de rua com transtornos mentais e dependência química.
- A abordagem multidisciplinar inclui atendimento médico, psicológico e social, com foco na reintegração completa do indivíduo à sociedade.
- O período máximo de internação para dependentes químicos é de 90 dias, com acompanhamento posterior por equipes especializadas para evitar recaídas.